quinta-feira, agosto 10, 2006

Bucage

Memórias de um Lobo Solitário
Olá meus amigos:
Hoje decidi, presentear-vos, com alguém que de certeza já ouvirão falar Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Poeta lírico neoclássico português, que tinha pretensão a vir a ser um segundo Camões, mas que dissipou suas energias numa vida agitada. Nasceu em Setúbal, em 15/09/1765 e morreu em Lisboa (21/12/1805), aos 40 anos de idade, vítima de um aneurisma.
Nos últimos anos o poeta vivia com uma irmã e uma sobrinha, sustentando-as com traduções de livros didáticos. Para viver seus últimos dias, inclusive, teve de valer-se de um amigo (José Pedro da Silva) que vendia, nas ruas de Lisboa, suas derradeiras composições: Improvisos de Bocage na Sua Mui Perigosa Enfermidade e Coleção dos Novos Improvisos de Bocage na Sua Moléstia.
Filho de um advogado, fugiu de casa aos 14 anos para juntar-se ao exército. Foi transferido para a Armada dois anos depois. Como integrante da Academia da Armada Real, em Lisboa, dedicou seu tempo a casos amorosos, poesia e boêmia.
Em 1786 foi enviado, tal qual seu herói Camões, para a Índia (Goa e Damão) e, também como Camões, desiludiu-se com o Oriente. Depois, por vontade própria e à revelia de seus superiores, dirigiu-se a Macau, voltando a Portugal em 1790.
Ingressou então na Nova Arcádia — uma academia literária com vagas vocações igualitárias e libertárias —, usando o pseudônimo de Elmano Sadino. Contudo, de temperamento forte e violento, desentendeu-se com seus pares, e suas sátiras a respeito deles levou à sua expulsão do grupo.
Seguiu-se uma longa guerra de versos que envolveu a maior parte dos poetas lisboetas.
Em 1797, acusado de heresia, dissolução dos costumes e idéias republicanas, foi implacavelmente perseguido, julgado e condenado, sendo sucessivamente encarcerado em várias prisões portuguesas.
Ali realizou traduções de Virgílio, Ovídio, Tasso, Rousseau, Racine e Voltaire, que o ajudaram a sobreviver seus anos seguintes, como homem livre.
Ao recuperar a liberdade, graças à influência de amigos, e com a promessa de criar juízo, o poeta, envelhecido, parece ter abandonado a boêmia e zelado até seus últimos momentos por impor aos seus contemporâneos uma imagem nova: a de homem arrependido, digno e chefe de família exemplar.
Sua passagem pelo Convento dos Oratorianos (onde é doutrinado, logo após sua saída da cadeia) parece ter contribuído para tal. Portugal, na época de Bocage, era um império em ruínas, imerso no atraso, na decadência econômica e na libertinagem cortesã, feita às custas da miséria de servos e operários, perpetuando o pantanal cinzento do absolutismo e das atitudes inquisitoriais, da Real Mesa Censória e dos calabouços destinados aos maçons e descontentes.
Ninguém encarnou melhor o espírito da classe dirigente lusitana do fim do século XVIII do que Pina Manique. Ex-policial e ex-juiz, conquistou a confiança dos poderosos, tornando-se o grande senhor do reinado de D. Maria I (só oficialmente reconhecida como louca em 1795), reprimindo com grande ferocidade tudo o que pudesse lembrar as "abomináveis idéias francesas". Graças a ele, inúmeros sábios, cientistas e artistas conheceram o caminho do exílio.
Bocage usou vários tipos de versos, mas fez o melhor no soneto. Não obstante a estrutura neoclássica de sua obra poética, seu intenso tom pessoal, a freqüente violência na expressão e a auto-dramatizada obsessão face ao destino e à morte, anteciparam o Romantismo. Suas poesias, Rimas, foram publicadas em três volumes (1791, 1799 e 1804).
O último deles foi dedicado à Marquesa de Alorna, que passou a protegê-lo.
Os poemas não censurados do autor são geralmente convencionais e bajulatórios, copiando a lição dos mestres neoclássicos e abusando da mitologia, uma espécie de poesia acadêmica feita por e para iniciados.
Outra parcela de sua obra é considerada pré-romântica, trazendo para poesia o mundo pessoal e subjetivo da paixão amorosa, do sofrimento e da morte.
Já sua poesia censurada surgiu da necessidade de agradar ao público que pagava: com admirável precisão, o poeta punha o dedo acusador nas chagas sociais de um país de aristocracia decadente, aliada a um clero corrupto, comprometidos ambos com uma política interna e externa anacrônica para aquele momento.
Também está presente ali a exaltação do amor físico que, inspirado no modelo natural, varre longe todo o platonismo fictício de uma sociedade que via pecado e imoralidade em tudo o que não fosse convenientemente escondido.
Num capote embrulhado, ao pé de Armia,
Num capote embrulhado, ao pé de Armia,
Que tinha perto a mãe o chá fazendo,
Na linda mão lhe foi (oh céus) metendo
O meu caralho, que de amor fervia:
Entre o susto, entre o pejo a moça ardia;
E eu solapado os beijos remordendo,
Pela fisga da saia a mão crescendo
A chamada sacana lhe fazia:
Entra a vir-se a menina... Ah! que vergonha!
"Que tens?" — lhe diz a mãe sobressaltada:
Não pode ela encobrir na mão langonha:
Sufocada ficou, a mãe corada:
Finda a partida, e mais do que medonha
A noite começou da bofetada.
Levanta Alzira os olhos pudibunda
Levanta Alzira os olhos pudibunda
Para ver onde a mão lhe conduzia;
Vendo que nela a porra lhe metia
Fez-se mais do que o nácar rubicunda:
Toco o pentelho seu, toco a rotunda Lisa bimba,
onde Amor seu trono erguia;
Entretanto em desejos ardia,
Brando licor o pássaro lhe inunda:
C'o dedo a greta sua lhe coçava;
Ela, maquinalmente a mão movendo,
Docemente o caralho embalava:
"mais depressa" – lhe digo então morrendo,
Enquanto ela sinais do mesmo dava;
Mística pívia assim fomos comendo.
Soneto copiado por Inocêncio de um caderno que continha indistintamente composições de Pedro José Constâncio e de Bocage. Daniel Pires. Edições Caixotim, 2004
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